De Senini a Bolaño, achados e perdidos

Diego Perez
2 min readOct 27, 2019

--

Aedo

Há muito não lia Bolaño.

Depois de devorá-lo durante a graduação, que culminou no meu ensaio final sobre Amuleto, fui o perdendo de vista quanto mais o homem sumia por trás da mitificação acadêmica e das publicações apócrifas desde sua morte.

Não durmo bem no mês que se segue.

Stress, viagens intermináveis, trabalhos e o retorno aos encontros sociais acadêmicos (nos quais, sinto, entre estabelecer uma dialética transcendental com a literatura e trocarmos miudezas quando revemos afetos e desafetos, o mal hábito fala mais alto) me provocam um sono precário.

Estirado na cama, alcanço no criado o Cuentos completos do escritor chileno adquirido há poucos meses devido a uma pueril preocupação crítica.

“Luis Antonio Sensini, el escritor argentino, segundo accésit, con un cuento en donde el narrador se iba al campo y allí se le moría su hijo o con un cuento en donde el narrador se iba al campo porque en la ciudad se le había muerto su hijo”, nos conta o narrador de “Sensini” que naturalmente é o próprio Bolaño. A primeira — e falsa — impressão é de monotonia diante deste diálogo epistolar que, estranhamente, não é o suficiente para terminar precocemente a leitura: “no quedaba nada claro, lo cierto es que en el campo, un campo plano y más bien yermo, el hijo del narrador se seguía muriendo, en fin, el cuento era claustrofóbico”.

De parágrafo em parágrafo, de carta em carta, o texto cresce em sutileza num jogo entre o dito e o não dito das relações familiares, sexuais, literárias. “Parece que nada acontece”, diz minha namorada que acorda e se junta a leitura. “Essa é a graça”, contesto fazendo meu ponto sobre as ambiguidades, a fluidez das longas descrições iniciais para os anos que voam em seguida, a busca do ancião e esquecido escritor pelo seu kafkiano filho Gregório, desaparecido em Latinoamerica.

“¿Sabes que Borges le escribió una vez una carta, a Madrid, en donde le ponderaba uno de sus cuentos?, dijo ella mirando su coñac. No, no lo sabía, dije yo. Y Cortázar también escribió sobre él, y también Mujica Lainez. Es que él era un escritor muy bueno, dije yo”. Joder, dijo Miranda”, disse Bolaño que assiste as luzes que iluminam Girona sobre o signo de grandes escritores inventados, esquecidos, reais, nesta que não se assemelha às grandes épicas bolañesas como Detectives Salvajes ou 2666, mas que me produz, na sua aparente simplicidade, um desejo nostálgico e quase perdido da palavra mágica do aedo latino-americano por excelência.

“Le dije que tenía veintiocho, tres más que él. Aquella mañana fue como si recuperara si no la felicidad, sí la energía, una energía que se parecía mucho al humor, un humor que se parecía mucho a la memoria”, diz o poeta quando eu, aos 28, naquela manhã insomne, me torno poesia.

--

--

Diego Perez

Doutorando em Letras pela UFRJ, autor da newsletter [MAGAZINE], dos zines “Viçosa” (2020) e “IDEIAFIXA” (2021) e colaborador na revista Terceyro Mundo.